09/03/2016 - CINEPSIQUIATRIA - CISNE NEGRO

 O Filme “Cisne Negro - Uma tentativa de interpretação “

 

Fiquei bastante impressionado com o filme que basicamente trata da batalha quase diária de crescer em contato com as dificuldades da vida. É uma bailarina que tem uma enorme ambição de ser a estrela principal de um dos mais famosos Ballet da dança clássica “O Lago do Cisne”. No começo, vemos uma luta constante da bailarina para chegar à perfeição, deixando de lado qualquer outra preocupação e só pensando em se aperfeiçoar mais e mais, ensaiando em todos os tempos possíveis e quase que só parando para dormir.

Nesta empreitada, é acompanhada o tempo todo pela mãe, que também era bailarina e que deixou a carreira quando ficou grávida da filha, aos 28 anos.

À medida que o filme se desenvolve começam a aparecer na conduta da bailarina, como em quase todas as pessoas que buscam a perfeição, condutas obsessivas. No caso, uma necessidade de se coçar que levava ao sangramento num lugar um tanto insólito que é na altura da omoplata direita. Em outras vezes, junto às cutículas das unhas, levando sempre ao sangramento. Durante os ensaios, além dos professores, temos o professor mor, que é aquele que dá aprovação final para aquela que será a estrela principal. Ele começa a notar cada vez mais que ela tem a perfeição necessária para encarnar o papel central, mas à medida que ela se desenvolve na técnica, ele começa a notar que falta a sexualidade necessária para encarnar o papel sedutor que ela terá que desempenhar para seduzir o príncipe durante o ballet. Neste momento como além de professor da técnica, ele vê a necessidade de despertar, de alguma forma, a sexualidade adormecida, que na dança em que ela é perfeita, aparece como uma falta de integração, se revelando como uma perfeição técnica na qual transparece uma frieza e uma distância do papel a ser representado. Como no palco ela tem que transmitir, além da perfeição técnica, o calor sedutor do amor pelo príncipe e mais do que isso, o ódio desencadeado por ser posta de lado por uma rival na trama da história. Isto tudo o leva a se aproximar mais dela numa zona limite sempre com o intuito de despertar nela a sexualidade aqui vista como avanço na integração pessoal. Estes episódios, onde há uma mistura de papéis, foram mal-entendidos pela maioria das bailarinas que assistiram ao filme, bem como a maioria das pessoas. A crítica ao filme foi desfavorável. As forças externas que a pressionavam para haver essa integração começaram a ultrapassar seus limites psicológicos, a ponto de começar a surgir alucinações, falsos reconhecimentos, divisões e cisões internas, que a faziam entender cada vez menos as realidades que a rodeavam. No início há uma indução pelo mestre ao autoerotismo, como forma de despertar uma sexualidade primitiva não representável para ela, que na sequência do desenvolvimento narcísico passa pela homossexualidade integradora desse nível básico de desenvolvimento, mas cheia de desconfiança, que aparecem ai como uma forma de conspiração contra ela vinda do mundo externo, sem nenhuma possibilidade no momento, de perceber que seriam apenas projeções do seu mundo interno, pois nesse momento não havia possibilidades de integração. Esse momento é muito bem descrito no filme na relação homossexual com a bailarina que seria logo abaixo dela e substituta da artista principal que é ela. Neste momento poderíamos falar em esquizofrenia, já que no filme as cenas aparecem como alucinações, mas que eu preferiria interpretar como um sonho vívido carregado de consciência vigil, misturando o mundo fantasmático com o mundo real. Entendo esse processo como algo muito difícil e complexo, que é facilmente visto em seus momentos intermediários, com formas de interpretações geralmente preconceituosas de tipo moral. Como a linha que estamos examinando tem como intuito central uma integração pessoal cada vez mais sofisticada, poderíamos aqui levantar a ideia de um duplo auto erótico, originado do narcisismo primitivo infantil, aqui apenas como uma potencialidade não integrada, que gradativamente poderia ser integrado pelo autoerotismo secundário que organizaria o transito da continuidade anímica, que se manifesta como o reinvestir constantemente no corpo erógeno, apropriando-se assim das próprias zonas erógenas despertadas precisamente pelo contato do objeto anímico, que é o outro ou o fantasma do outro como no caso do filme e que vai aparecer então como criatividade anímica numinosa, dando vida à frieza da bailarina. Se voltarmos a falar em esquizofrenia, teremos que falar numa forma de esquizofrenia pós-moderna, que leva a uma forma de integração criativa.  Este caminho foi induzido nitidamente pelo professor ao beijá-la e ser mordido por ela, mas como a integração auto erótica não estava pronta, ele sugeriu para ela que se masturbasse. Outra lembrança importante é a dificuldade de integrar a sexualidade, devido à ação repressiva da mãe quanto à sexualidade. É interessante registrar aqui que, o que o fez então escolhe-la, foi a agressividade aqui ainda defensiva, vista por ele como já uma potência ainda inacessível ao papel do cisne negro. Neste momento a criatividade intuitiva do diretor do filme faz essa integração passar pelo nível homossexual. Aqui estamos diante de outra situação que dificulta muito o entendimento geral, devido à trama complexa do preconceito, basicamente moral. Mas se deixarmos de lado as tramas morais preconceituosas, essa passagem fica bem clara no filme com a poderosa cena da relação homossexual com a rival, que a leva a um orgasmo integrador como dissemos acima. Neste caso especifico, podemos entender melhor essa poderosa vivencia como uma experiência de integração com o duplo anímico erógeno que nela existia apenas como potencionalidade. Para isso quero registrar o final da cena, que aparece como uma vivência assustadora, em que tudo fica escuro e negro. Essas vivências são assustadoras para um ego em evolução, que ainda não tem um sistema representacional que as absorva rapidamente. Usando uma metáfora para melhor entender esse momento, podemos dizer que o duplo auto erótico, misturado com a vivencia homossexual, representa um espelho endopsiquico, qual o escudo de Perseu frente à Gorgona ou Medusa, afasta o perigo da bailarina ficar petrificada, catatônica, sem capacidade de integrar esse momento e ir na direção da realidade. Agora estamos diante de uma complexidade maior, já que neste caminho temos que lidar com o oposto do amor, que é a destrutividade que apareceu na mordida durante o beijo sentido como intrusão, e que é melhor representada pela agressividade, ciúmes, inveja e ódio mortal. Neste contexto, o que chamamos de duplo integrador da sexualidade, aqui aparece na configuração da mãe exigente, que nos seus avatares, passa para a rival e ao mesmo tempo amiga intima, que certamente vai tomar o seu lugar como prima bailarina. Parece que a luta de morte com a rival é de novo a forma de integrar na personalidade total um potencial agressivo, que vem tomando forma cada vez mais nítida, passando pela agressividade com a mãe até a agressividade com o pai totalmente ausente, mas presente no professor e ainda potencial amante. Lembramos o beijo sumarento no mestre num dos intervalos do ballet. Neste momento o duplo anímico negativo será integrado novamente de uma forma fusional destrutiva, mas ao mesmo tempo, capaz de dar a ela a capacidade de representar no palco, de uma forma perfeita e contundente, a presença da morte. A cena plástica no filme em que ela se transforma no cisne negro nos leva a uma vivencia empática extraordinária. À medida que a agressividade vai se integrando na vivência de corpo, vemos o nascimento de uma espécie de demônio, que tem os olhos vermelhos e que vai se transformando num anjo negro, que na realidade do ballet é a incorporação plena do Cisne Negro. E o interessante aqui é que de novo, no simbólico, aparece o espelho que falamos antes, quebrado durante a luta e que por isso a deixa vulnerável a petrificação da Medusa, mas por outro lado o pedaço do espelho é que propicia a integração do duplo negativo ao se atingir na altura do plexo solar. Podemos dizer que temos aqui uma perfeita integração entre a vida e a morte, levando a um momento culminante de perfeição.

 

Herberto Edson Maia.

Médico psiquiatra e professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

 

 

 

 O Filme “Cisne Negro - Uma tentativa de interpretação “

 

Fiquei bastante impressionado com o filme que basicamente trata da batalha quase diária de crescer em contato com as dificuldades da vida. É uma bailarina que tem uma enorme ambição de ser a estrela principal de um dos mais famosos Ballet da dança clássica “O Lago do Cisne”. No começo, vemos uma luta constante da bailarina para chegar à perfeição, deixando de lado qualquer outra preocupação e só pensando em se aperfeiçoar mais e mais, ensaiando em todos os tempos possíveis e quase que só parando para dormir.

Nesta empreitada, é acompanhada o tempo todo pela mãe, que também era bailarina e que deixou a carreira quando ficou grávida da filha, aos 28 anos.

À medida que o filme se desenvolve começam a aparecer na conduta da bailarina, como em quase todas as pessoas que buscam a perfeição, condutas obsessivas. No caso, uma necessidade de se coçar que levava ao sangramento num lugar um tanto insólito que é na altura da omoplata direita. Em outras vezes, junto às cutículas das unhas, levando sempre ao sangramento. Durante os ensaios, além dos professores, temos o professor mor, que é aquele que dá aprovação final para aquela que será a estrela principal. Ele começa a notar cada vez mais que ela tem a perfeição necessária para encarnar o papel central, mas à medida que ela se desenvolve na técnica, ele começa a notar que falta a sexualidade necessária para encarnar o papel sedutor que ela terá que desempenhar para seduzir o príncipe durante o ballet. Neste momento como além de professor da técnica, ele vê a necessidade de despertar, de alguma forma, a sexualidade adormecida, que na dança em que ela é perfeita, aparece como uma falta de integração, se revelando como uma perfeição técnica na qual transparece uma frieza e uma distância do papel a ser representado. Como no palco ela tem que transmitir, além da perfeição técnica, o calor sedutor do amor pelo príncipe e mais do que isso, o ódio desencadeado por ser posta de lado por uma rival na trama da história. Isto tudo o leva a se aproximar mais dela numa zona limite sempre com o intuito de despertar nela a sexualidade aqui vista como avanço na integração pessoal. Estes episódios, onde há uma mistura de papéis, foram mal-entendidos pela maioria das bailarinas que assistiram ao filme, bem como a maioria das pessoas. A crítica ao filme foi desfavorável. As forças externas que a pressionavam para haver essa integração começaram a ultrapassar seus limites psicológicos, a ponto de começar a surgir alucinações, falsos reconhecimentos, divisões e cisões internas, que a faziam entender cada vez menos as realidades que a rodeavam. No início há uma indução pelo mestre ao autoerotismo, como forma de despertar uma sexualidade primitiva não representável para ela, que na sequência do desenvolvimento narcísico passa pela homossexualidade integradora desse nível básico de desenvolvimento, mas cheia de desconfiança, que aparecem ai como uma forma de conspiração contra ela vinda do mundo externo, sem nenhuma possibilidade no momento, de perceber que seriam apenas projeções do seu mundo interno, pois nesse momento não havia possibilidades de integração. Esse momento é muito bem descrito no filme na relação homossexual com a bailarina que seria logo abaixo dela e substituta da artista principal que é ela. Neste momento poderíamos falar em esquizofrenia, já que no filme as cenas aparecem como alucinações, mas que eu preferiria interpretar como um sonho vívido carregado de consciência vigil, misturando o mundo fantasmático com o mundo real. Entendo esse processo como algo muito difícil e complexo, que é facilmente visto em seus momentos intermediários, com formas de interpretações geralmente preconceituosas de tipo moral. Como a linha que estamos examinando tem como intuito central uma integração pessoal cada vez mais sofisticada, poderíamos aqui levantar a ideia de um duplo auto erótico, originado do narcisismo primitivo infantil, aqui apenas como uma potencialidade não integrada, que gradativamente poderia ser integrado pelo autoerotismo secundário que organizaria o transito da continuidade anímica, que se manifesta como o reinvestir constantemente no corpo erógeno, apropriando-se assim das próprias zonas erógenas despertadas precisamente pelo contato do objeto anímico, que é o outro ou o fantasma do outro como no caso do filme e que vai aparecer então como criatividade anímica numinosa, dando vida à frieza da bailarina. Se voltarmos a falar em esquizofrenia, teremos que falar numa forma de esquizofrenia pós-moderna, que leva a uma forma de integração criativa.  Este caminho foi induzido nitidamente pelo professor ao beijá-la e ser mordido por ela, mas como a integração auto erótica não estava pronta, ele sugeriu para ela que se masturbasse. Outra lembrança importante é a dificuldade de integrar a sexualidade, devido à ação repressiva da mãe quanto à sexualidade. É interessante registrar aqui que, o que o fez então escolhe-la, foi a agressividade aqui ainda defensiva, vista por ele como já uma potência ainda inacessível ao papel do cisne negro. Neste momento a criatividade intuitiva do diretor do filme faz essa integração passar pelo nível homossexual. Aqui estamos diante de outra situação que dificulta muito o entendimento geral, devido à trama complexa do preconceito, basicamente moral. Mas se deixarmos de lado as tramas morais preconceituosas, essa passagem fica bem clara no filme com a poderosa cena da relação homossexual com a rival, que a leva a um orgasmo integrador como dissemos acima. Neste caso especifico, podemos entender melhor essa poderosa vivencia como uma experiência de integração com o duplo anímico erógeno que nela existia apenas como potencionalidade. Para isso quero registrar o final da cena, que aparece como uma vivência assustadora, em que tudo fica escuro e negro. Essas vivências são assustadoras para um ego em evolução, que ainda não tem um sistema representacional que as absorva rapidamente. Usando uma metáfora para melhor entender esse momento, podemos dizer que o duplo auto erótico, misturado com a vivencia homossexual, representa um espelho endopsiquico, qual o escudo de Perseu frente à Gorgona ou Medusa, afasta o perigo da bailarina ficar petrificada, catatônica, sem capacidade de integrar esse momento e ir na direção da realidade. Agora estamos diante de uma complexidade maior, já que neste caminho temos que lidar com o oposto do amor, que é a destrutividade que apareceu na mordida durante o beijo sentido como intrusão, e que é melhor representada pela agressividade, ciúmes, inveja e ódio mortal. Neste contexto, o que chamamos de duplo integrador da sexualidade, aqui aparece na configuração da mãe exigente, que nos seus avatares, passa para a rival e ao mesmo tempo amiga intima, que certamente vai tomar o seu lugar como prima bailarina. Parece que a luta de morte com a rival é de novo a forma de integrar na personalidade total um potencial agressivo, que vem tomando forma cada vez mais nítida, passando pela agressividade com a mãe até a agressividade com o pai totalmente ausente, mas presente no professor e ainda potencial amante. Lembramos o beijo sumarento no mestre num dos intervalos do ballet. Neste momento o duplo anímico negativo será integrado novamente de uma forma fusional destrutiva, mas ao mesmo tempo, capaz de dar a ela a capacidade de representar no palco, de uma forma perfeita e contundente, a presença da morte. A cena plástica no filme em que ela se transforma no cisne negro nos leva a uma vivencia empática extraordinária. À medida que a agressividade vai se integrando na vivência de corpo, vemos o nascimento de uma espécie de demônio, que tem os olhos vermelhos e que vai se transformando num anjo negro, que na realidade do ballet é a incorporação plena do Cisne Negro. E o interessante aqui é que de novo, no simbólico, aparece o espelho que falamos antes, quebrado durante a luta e que por isso a deixa vulnerável a petrificação da Medusa, mas por outro lado o pedaço do espelho é que propicia a integração do duplo negativo ao se atingir na altura do plexo solar. Podemos dizer que temos aqui uma perfeita integração entre a vida e a morte, levando a um momento culminante de perfeição.

 

Herberto Edson Maia.

Médico psiquiatra e professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

 

 O Filme “Cisne Negro - Uma tentativa de interpretação “

 

Fiquei bastante impressionado com o filme que basicamente trata da batalha quase diária de crescer em contato com as dificuldades da vida. É uma bailarina que tem uma enorme ambição de ser a estrela principal de um dos mais famosos Ballet da dança clássica “O Lago do Cisne”. No começo, vemos uma luta constante da bailarina para chegar à perfeição, deixando de lado qualquer outra preocupação e só pensando em se aperfeiçoar mais e mais, ensaiando em todos os tempos possíveis e quase que só parando para dormir.

Nesta empreitada, é acompanhada o tempo todo pela mãe, que também era bailarina e que deixou a carreira quando ficou grávida da filha, aos 28 anos.

À medida que o filme se desenvolve começam a aparecer na conduta da bailarina, como em quase todas as pessoas que buscam a perfeição, condutas obsessivas. No caso, uma necessidade de se coçar que levava ao sangramento num lugar um tanto insólito que é na altura da omoplata direita. Em outras vezes, junto às cutículas das unhas, levando sempre ao sangramento. Durante os ensaios, além dos professores, temos o professor mor, que é aquele que dá aprovação final para aquela que será a estrela principal. Ele começa a notar cada vez mais que ela tem a perfeição necessária para encarnar o papel central, mas à medida que ela se desenvolve na técnica, ele começa a notar que falta a sexualidade necessária para encarnar o papel sedutor que ela terá que desempenhar para seduzir o príncipe durante o ballet. Neste momento como além de professor da técnica, ele vê a necessidade de despertar, de alguma forma, a sexualidade adormecida, que na dança em que ela é perfeita, aparece como uma falta de integração, se revelando como uma perfeição técnica na qual transparece uma frieza e uma distância do papel a ser representado. Como no palco ela tem que transmitir, além da perfeição técnica, o calor sedutor do amor pelo príncipe e mais do que isso, o ódio desencadeado por ser posta de lado por uma rival na trama da história. Isto tudo o leva a se aproximar mais dela numa zona limite sempre com o intuito de despertar nela a sexualidade aqui vista como avanço na integração pessoal. Estes episódios, onde há uma mistura de papéis, foram mal-entendidos pela maioria das bailarinas que assistiram ao filme, bem como a maioria das pessoas. A crítica ao filme foi desfavorável. As forças externas que a pressionavam para haver essa integração começaram a ultrapassar seus limites psicológicos, a ponto de começar a surgir alucinações, falsos reconhecimentos, divisões e cisões internas, que a faziam entender cada vez menos as realidades que a rodeavam. No início há uma indução pelo mestre ao autoerotismo, como forma de despertar uma sexualidade primitiva não representável para ela, que na sequência do desenvolvimento narcísico passa pela homossexualidade integradora desse nível básico de desenvolvimento, mas cheia de desconfiança, que aparecem ai como uma forma de conspiração contra ela vinda do mundo externo, sem nenhuma possibilidade no momento, de perceber que seriam apenas projeções do seu mundo interno, pois nesse momento não havia possibilidades de integração. Esse momento é muito bem descrito no filme na relação homossexual com a bailarina que seria logo abaixo dela e substituta da artista principal que é ela. Neste momento poderíamos falar em esquizofrenia, já que no filme as cenas aparecem como alucinações, mas que eu preferiria interpretar como um sonho vívido carregado de consciência vigil, misturando o mundo fantasmático com o mundo real. Entendo esse processo como algo muito difícil e complexo, que é facilmente visto em seus momentos intermediários, com formas de interpretações geralmente preconceituosas de tipo moral. Como a linha que estamos examinando tem como intuito central uma integração pessoal cada vez mais sofisticada, poderíamos aqui levantar a ideia de um duplo auto erótico, originado do narcisismo primitivo infantil, aqui apenas como uma potencialidade não integrada, que gradativamente poderia ser integrado pelo autoerotismo secundário que organizaria o transito da continuidade anímica, que se manifesta como o reinvestir constantemente no corpo erógeno, apropriando-se assim das próprias zonas erógenas despertadas precisamente pelo contato do objeto anímico, que é o outro ou o fantasma do outro como no caso do filme e que vai aparecer então como criatividade anímica numinosa, dando vida à frieza da bailarina. Se voltarmos a falar em esquizofrenia, teremos que falar numa forma de esquizofrenia pós-moderna, que leva a uma forma de integração criativa.  Este caminho foi induzido nitidamente pelo professor ao beijá-la e ser mordido por ela, mas como a integração auto erótica não estava pronta, ele sugeriu para ela que se masturbasse. Outra lembrança importante é a dificuldade de integrar a sexualidade, devido à ação repressiva da mãe quanto à sexualidade. É interessante registrar aqui que, o que o fez então escolhe-la, foi a agressividade aqui ainda defensiva, vista por ele como já uma potência ainda inacessível ao papel do cisne negro. Neste momento a criatividade intuitiva do diretor do filme faz essa integração passar pelo nível homossexual. Aqui estamos diante de outra situação que dificulta muito o entendimento geral, devido à trama complexa do preconceito, basicamente moral. Mas se deixarmos de lado as tramas morais preconceituosas, essa passagem fica bem clara no filme com a poderosa cena da relação homossexual com a rival, que a leva a um orgasmo integrador como dissemos acima. Neste caso especifico, podemos entender melhor essa poderosa vivencia como uma experiência de integração com o duplo anímico erógeno que nela existia apenas como potencionalidade. Para isso quero registrar o final da cena, que aparece como uma vivência assustadora, em que tudo fica escuro e negro. Essas vivências são assustadoras para um ego em evolução, que ainda não tem um sistema representacional que as absorva rapidamente. Usando uma metáfora para melhor entender esse momento, podemos dizer que o duplo auto erótico, misturado com a vivencia homossexual, representa um espelho endopsiquico, qual o escudo de Perseu frente à Gorgona ou Medusa, afasta o perigo da bailarina ficar petrificada, catatônica, sem capacidade de integrar esse momento e ir na direção da realidade. Agora estamos diante de uma complexidade maior, já que neste caminho temos que lidar com o oposto do amor, que é a destrutividade que apareceu na mordida durante o beijo sentido como intrusão, e que é melhor representada pela agressividade, ciúmes, inveja e ódio mortal. Neste contexto, o que chamamos de duplo integrador da sexualidade, aqui aparece na configuração da mãe exigente, que nos seus avatares, passa para a rival e ao mesmo tempo amiga intima, que certamente vai tomar o seu lugar como prima bailarina. Parece que a luta de morte com a rival é de novo a forma de integrar na personalidade total um potencial agressivo, que vem tomando forma cada vez mais nítida, passando pela agressividade com a mãe até a agressividade com o pai totalmente ausente, mas presente no professor e ainda potencial amante. Lembramos o beijo sumarento no mestre num dos intervalos do ballet. Neste momento o duplo anímico negativo será integrado novamente de uma forma fusional destrutiva, mas ao mesmo tempo, capaz de dar a ela a capacidade de representar no palco, de uma forma perfeita e contundente, a presença da morte. A cena plástica no filme em que ela se transforma no cisne negro nos leva a uma vivencia empática extraordinária. À medida que a agressividade vai se integrando na vivência de corpo, vemos o nascimento de uma espécie de demônio, que tem os olhos vermelhos e que vai se transformando num anjo negro, que na realidade do ballet é a incorporação plena do Cisne Negro. E o interessante aqui é que de novo, no simbólico, aparece o espelho que falamos antes, quebrado durante a luta e que por isso a deixa vulnerável a petrificação da Medusa, mas por outro lado o pedaço do espelho é que propicia a integração do duplo negativo ao se atingir na altura do plexo solar. Podemos dizer que temos aqui uma perfeita integração entre a vida e a morte, levando a um momento culminante de perfeição.

 

Herberto Edson Maia.

Médico psiquiatra e professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

 

 

 

 

 

 

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